Nos últimos anos, a agenda de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) se intensificou como proposta de ser um dos grandes eixos de transformação das organizações.
Impulsionadas (e cobradas!) por movimentos sociais, pressão de consumidores e investidores e o avanço de estudos sobre os benefícios de DEI nos negócios, muitas empresas assumiram compromissos públicos, criaram áreas dedicadas e metas de inclusão.
Mas, nos bastidores, um sentimento crescente tem sido compartilhado por quem atua diretamente com o tema: a chamada fadiga da diversidade.
O termo vem do inglês “Diversity Fatigue”, e não é novo: foi cunhado originalmente na década de 1990 para descrever o stress relacionado às tentativas de diversificar a força de trabalho por meio de esforços de recrutamento e retenção.
Nos últimos anos, ele assumiu um significado mais amplo, incluindo pessoas e organizações que simplesmente se sentem esgotadas de falar sobre diversidade, ou a falta dela.
Esse suposto ‘esgotamento’ pode não significar apenas um cansaço passageiro.
Pode estar havendo uma sinalização sobre uma tensão mais profunda entre discurso e prática, expectativas infladas e estruturas limitadas, e associações emocionais atreladas às abordagens em DEI.
🤔 O que são essas tensões e o que dizem os dados?
DISCURSO VS. PRÁTICA
Percebo que muitos profissionais atuantes em DEI, seja de forma direta ou como “aliados/as”, relatam com maior frequência sentimentos de frustração ligados à efetiva adesão das empresas aos objetivos de programas de inclusão.
Não é incomum percepções relacionadas à diferença entre “o que é dito para fora” (como campanhas de publicidade, desenvolvimento de novos produtos e compromissos públicos de palavras vazias) e o que é efetivamente implementado.
De acordo com um estudo de 2023 da Harvard Business Review, embora 97% dos líderes de recursos humanos acreditem que sua organização tenha feito mudanças que melhoraram a DEI, apenas 37% dos funcionários concordam totalmente.
Já uma pesquisa da McKinsey & Company mostrou que, embora 87% das empresas digam que diversidade é uma prioridade, menos da metade investe de forma consistente em programas de inclusão com metas claras e mensuráveis.
EXPECTATIVAS INFLADAS VS. ESTRUTURAS LIMITADAS
Quem nunca ouviu de lideranças empresariais a clássica “esta é nossa prioridade!” mas, na prática, a ‘prioridade’ não tem recursos financeiros disponíveis ou muitas vezes sequer tem uma equipe suficiente para a demanda?
Pesquisa da consultoria Blend Edu aponta que a principal barreira apontada para o avanço da agenda dentro das organizações é o baixo orçamento para ações de DEI (21,4% das empresas respondentes).
A edição de 2024 do relatório “Diversidade, Equidade e Inclusão nas Organizações", da Deloitte, também cita o baixo orçamento (25% de respondentes) como um dos maiores desafios para a condução de iniciativas em DEI. Aliás, a falta de profissionais com horas disponíveis para as atividades de DEI também é barreira representativa, com 33% de concordância.
ASSOCIAÇÕES EMOCIONAIS ATRELADAS À ABORDAGEM DE DEI
Dar-se conta dos próprios preconceitos pode gerar algum desconforto cognitivo, ou seja, uma sensação ruim sobre si mesmo. Falar de inclusão é, inevitavelmente, falar sobre temas ligados a preconceito, e nem sempre isso será recebido de forma pacífica pelas pessoas.
A neurociência explica.
Temas como identidade e preconceito tocam diretamente áreas do cérebro associadas à autoproteção. Estudos em neurociência social mostram que o cérebro responde a ameaças sociais — como sentir-se julgado, criticado ou desvalorizado — com a mesma intensidade que responde a ameaças físicas.
Quando as conversas sobre DEI são percebidas como “acusações” ou exigências morais, ativam-se essas regiões de alerta e defesa, dificultando o processamento racional e empático.
Além disso, quando uma abordagem para mudança de comportamento é percebida como coercitiva ou forçada (ex: “você precisa usar essa linguagem”, “isso é inaceitável”), ocorre ativação de áreas associadas à perda de autonomia e controle.
Estudos mostram que mensagens que ameaçam o senso de autonomia ativam reações defensivas em vez de abertura ao aprendizado.
🥵 Mas… fadiga para quem? E por quê?
A suposta ‘fadiga da diversidade’ tem múltiplas origens e pode se manifestar de formas distintas.
A frustração atrelada ao discurso organizacional versus a prática, as expectativas irreais de transformação rápida versus os recursos disponíveis para tal e alguns tipos de abordagem para mudança comportamental são exemplos.
É fundamental, porém, acrescentarmos nesta balança duas outras origens complementares:
A sobrecarga emocional e simbólica de profissionais pertencentes a grupos sub-representados: além de atuarem tecnicamente, muitas vezes são constantemente solicitados a “representar” os grupos sociais aos quais pertencem, mediar conflitos e educar colegas — tudo isso, muitas vezes, sem reconhecimento institucional.
A polarização sociopolítica e retrocessos na defesa de direitos antidiscriminatórios: neste contexto, experimentado por diversos países na última década, conversas honestas sobre desigualdade se tornam ainda mais difíceis e criam um ambiente de defensividade. Em tempos de discursos antagônicos, falar sobre inclusão exige ainda mais preparo, escuta e coragem.
🔋 Como (re)energizar a agenda DEI?
Superar a suposta ‘fadiga da diversidade’ não se trata apenas de uma questão de motivação pessoal.
Requer uma percepção aguçada sobre as origens desta fadiga para se criar uma mudança de mentalidade e de modelo organizacional.
Algumas ideias passam por:
Instituir a gestão da inclusão como valor compartilhado e alavanca estratégica, não como projeto ou departamento paralelo. O trabalho por inclusão social nas instituições sempre existiu, o que muda é sua referência política e sua nomenclatura. Empresas que integram o objetivo estratégico de inclusão de forma ampla em seu negócio, para além de metas consubstanciadas a um "departamento” específico (DEI, por exemplo), colhem resultados mais consistentes e atemporais.
Cuidar de quem cuida da diversidade. Profissionais da área precisam de recursos, tempo, apoio emocional e reconhecimento. Isso inclui formação contínua, espaço para decisões e a garantia de que não serão bode expiatórios de uma pauta mal estruturada.
Sair do binarismo “funciona ou não funciona”. A complexidade do trabalho nesta área está em seu próprio nome: diversidade. Sua premissa, enquanto campo que pensa e atua por maior inclusão social, parte justamente de buscar compreender as múltiplas causas de discriminação de múltiplos grupos sociais diferentes em múltiplos contextos organizacionais e políticos variados. Programas de DEI exigem pensamento flexível, crítico, monitoramento contínuo, escuta ativa e disposição para ajustes.
Avaliar abordagens para mudança comportamental. Mensagens sobre preconceito, discriminação, privilégio ou inclusão, quando apresentadas de forma que ameaçam a autonomia ou desafiam diretamente a identidade moral das pessoas, são neurologica e psicologicamente mais propensas a gerar defensividade e polarização. Estratégias mais eficazes baseiam-se no reconhecimento da complexidade humana (sem moralismo simplista), convites ao diálogo e à escolha informada e espaços de escuta ativa e segurança psicológica - para todas as pessoas.
A fadiga da diversidade pode estar sendo um sintoma reflexo da própria resistência atrelada às pautas dos quais ela trata - mas pode funcionar também como um convite a nós, profissionais de DEI.
Ela nos obriga a revisar o que estamos fazendo — e como estamos fazendo — em nome da inclusão.
Não acredito, em nenhuma hipótese, que o problema esteja na pauta em si, mas na forma acelerada, instrumental, solitária e superficial com que muitas vezes ela pode estar sendo abordada.
A fadiga, nesse contexto, pode ser um sinal de que é hora de adaptarmos a abordagem — e a profundidade — da conversa.