Brasil condenado por racismo em processo seletivo de empresa.
Como elaborar políticas efetivas de combate ao racismo no trabalho?
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Semana sim, semana não, convivemos com casos “isolados” de racismo em diferentes contextos.
Nos últimos dias, vimos um policial da reserva perseguir dois trabalhadores negros numa moto voltando do trabalho, assistimos o relato angustiante do jogador palmeirense Luighi após ofensas no Paraguai e até mesmo acompanhamos o projeto de lei paulista que mascara o racismo contra o funk nacional.
Sem falar em macrodados com os quais convivemos e moldam nossa experiência online, como o crescimento de 42% (!) de publicações de cunho racista no X desde sua aquisição por Elon Musk em 2022.
Os dados mostram que houve um aumento geral de discurso de ódio na plataforma de 50%, sendo que os comentários transfóbicos foram os que tiveram um aumento expressivo de 260%, seguido pelos conteúdos racistas (42%) e homofóbicos (30%).
Mas um caso em particular se tornou emblemático nas últimas semanas.
É a primeira vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão máximo de justiça da OEA (Organização dos Estados Americanos), condena o Brasil por um caso de racismo num processo seletivo empresarial.
Na época, Neusa e Gisele, ambas negras, viram um anúncio de vagas para pesquisadora e foram até a Nipomed para se candidatar. O dono da empresa, no entanto, afirmou que as oportunidades já estavam preenchidas. Horas depois, uma amiga branca de Neusa, com qualificações semelhantes, conseguiu a vaga imediatamente.
As medidas ordenadas pela CIDH incluem a elaboração de protocolos de investigação e julgamento que tratem raça e gênero de forma interseccional.
Vale lembrar que o nosso Conselho Nacional de Justiça no Brasil, o CNJ, já editou um Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial que busca orientar magistrados/as sobre como atuar contra a reprodução do racismo, em suas distintas dimensões, considerando como ele se relaciona com questões de gênero, classe, sexualidade, idade, deficiência, orientação religiosa e origem.
Casos no Brasil não são incomuns.
A condenação no nível da Corte Interamericana de Direitos Humanos traz visibilidade a um problema enfrentado diariamente por trabalhadores brasileiros e cidadãos afetados por empresas.
De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o canal de denúncias “Disque 100 registrou”, em 2024, mais de 3,4 mil denúncias que abrangem mais de 5,2 mil violações de cunho racial.
Entre os locais onde ocorreram essas violações, destacam-se o local de trabalho da vítima e estabelecimentos comerciais, indicando esta relação entre racismo e atividade empresarial.
Um exemplo específico é o do iFood, que registrou 148 denúncias de racismo contra entregadores durante o ano de 2024. Aliás, as denúncias de discriminação correspondem a 42% das feitas por entregadores à Central de Apoio Jurídico e Psicológico da empresa, ficando à frente mesmo de casos de agressão física e ameaça (25%) e de desentendimento sobre subir ou não em apartamentos (19%).
A legislação brasileira qualifica o racismo como crime inafiançável e imprescritível, conforme o Artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988. A Lei nº 14.532, de 2023, atualmente tipifica a injúria racial também como crime de racismo, com pena de dois a cinco anos de reclusão e multa. De modo geral, o racismo é definido como um crime contra a coletividade, enquanto a injúria é direcionada ao indivíduo.
Casos de condenação a empresas por racismo pipocam nos quatro cantos do país, semanalmente.
Como empresas devem se preparar?
É comum o ambiente empresarial, especialmente em sua dinâmica privada, tratar temas de direitos humanos por duas perspectivas: a regulatória e a voluntária, ainda que esta segunda já tenha se demonstrado insuficiente, como demonstra a Procuradoria-Federal dos Direitos do Cidadão em sua Nota Técnica PFDC n. 01/2025, que trata da instituição de um marco normativo vinculante nacional sobre direitos humanos e empresas (Projeto de Lei nº 572/2022 da Câmara dos Deputados):
“A crescente influência das empresas sobre a sociedade, impulsionada pela globalização e pela expansão das cadeias produtivas, evidenciou a necessidade de um marco normativo vinculante para garantir a prevenção e a reparação de abusos corporativos.
Os mecanismos voluntários, como os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, têm se mostrado inadequados e insuficientes para garantir a proteção efetiva dos direitos fundamentais. Modelos de autorregulação, por sua vez, carecem de sanções e de monitoramento eficaz, resultando na perpetuação de práticas abusivas.”
No aspecto regulatório, é possível afirmar que o Brasil é um dos países com maior proteção contra o racismo, incluindo nas empresas.
Veja o esquema:
Ou seja, a adequação de políticas internas empresariais deve estar em consonância, claro, com o que a legislação brasileira prevê em termos de proteção a direitos.
Como os mecanismos de controle e fiscalização empresarial são uma carência, sabemos que estar em total conformidade com a Lei nem sempre é o que acontece, com muitas empresas pleiteando caminhos mais autorregulatórios - ou ambos.
"Boas práticas” existem, e podem ajudar a navegar melhor por esse terreno após a adequação legal básica.
No caso do racismo institucionalizado nas empresas, tivemos também alguns interessantes exemplos nas últimas semanas:
CEO da bolsa de valores brasileira, a B3, afirmou que “diversidade não é uma moda, não é uma agenda que ficou para trás, mas uma agenda de negócios, para manter o sucesso de longo prazo. Por isso, a gente não vai retroceder”. Vale lembrar que a B3 investe há alguns anos em promover a inclusão a partir de seu portfolio, como a criação do 1o índice de Diversidade em 2023.
O Mover, Movimento pela Equidade Racial, que reúne dezenas de grandes empresas brasileiras, lançou um Guia para a “construção de uma cadeia de valor inclusiva". Ou seja, como contratar e relacionar-se com fornecedores e investidores de forma a também combater o racismo nestes contextos.
A condenação do Brasil na CIDH é um marco, mas o quanto ela resultará em mudanças concretas?
Protocolos e leis são importantes, mas sua eficácia depende da implementação e do devido monitoramento.
Empresas, governo e sociedade civil precisam garantir que medidas como as determinadas pela CIDH não se tornem apenas mais uma decisão simbólica em meio a estatísticas alarmantes.
É capaz de chegar uns aqui, diante dessas informações, e dizer que isso é "mimimi" (como eles costumam dizer) e faz parte da "agenda woke".