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Movimentos sociais e empresariais têm reagido às ordens de Donald Trump sobre a descontinuidade de políticas de inclusão social.
Enquanto brasileiros trans vivendo nos EUA relatam profunda insegurança, milhares de manifestantes protestaram a favor da igualdade racial, social e de gênero na Argentina no Fórum Econômico Mundial.
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No setor empresarial, organizações como JPMorgan, Goldman Sachs e Cisco se posicionaram firmes quanto à manutenção de suas políticas de inclusão nos Estados Unidos.
Já no Brasil, movimentos empresariais que representam mais de 500 companhias publicaram um manifesto intitulado "Um compromisso inabalável com o futuro", em que reforçam seus compromissos com as políticas de inclusão.
O documento é assinado por entidades como o Movimento Mulher 360, o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial e o Instituto Ethos.
“Acreditamos que para se tornar o país com que sonhamos, o Brasil depende do talento e do potencial de toda a sua população. Apesar dos desafios, temos condições de ser referência global em DE&I: nossa demografia diversa, o arcabouço legal e político robusto, e os compromissos já assumidos por empresas e instituições criam um cenário ímpar para a promoção de um ambiente de negócios que preze pela inclusão, criatividade e inovação.”
Este manifesto, para além de seu conteúdo de teor oportunamente otimista, me desperta a atenção para dois aspectos do trabalho com inclusão social nas empresas.
Em primeiro, aquela história de separar “o joio do trigo”.
Trabalhamos num terreno em que a mentalidade dos tomadores de decisão é, muitas vezes, a barreira final entre manter-se firme na indução de políticas de inclusão ou abrir mão das mesmas na primeira oportunidade, ao considerá-las apenas uma “onda que já foi surfada”.
Este é um pouco do efeito ao qual estamos sujeitos num contexto de voluntarismo sobre a pauta e seus desdobramentos. Afinal, faz quem acredita.
O que me leva ao segundo ponto, quando o documento cita um “arcabouço legal e político robusto” como vantagem nacional para a “promoção de um ambiente de negócios que preze pela inclusão, criatividade e inovação”.
Ainda que possa parecer uma inserção genérica, citar os aspectos legais que estimulam a inclusão sinaliza algo importante para o mercado nacional que acompanha esses movimentos: de que forma empresários e “ativistas corporativos” têm se envolvido nos debates legais que suportam suas políticas de inclusão? E de que forma essas pessoas têm se valido desses debates para melhor desenvolver suas iniciativas internas de combate à discriminação?
Vamos a um dos exemplos do momento.
Inteligência Artificial e Big Techs: a regulação como proteção
No Brasil, os debates sobre a regulamentação do uso da inteligência artificial, incluindo a regulamentação de big techs (como as redes sociais), ganha força ano após ano.
Nesta semana, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou a “regulamentação econômica das Big Techs” e o “desenvolvimento responsável da Inteligência Artificial” como duas das 25 prioridades listadas ao novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Netto.
O debate vai longe e envolve todos os poderes da República.
Ainda no âmbito Executivo, a Advocacia-Geral da União (AGU) realizou, recentemente, uma audiência pública para discutir a regulamentação das big techs (uma das prioridades listadas por Haddad).
Embora mais de 200 entidades de governo e da sociedade civil tenham estado presentes, nenhuma das empresas participou.
No âmbito Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) não apenas pressiona o Congresso Nacional para avançar no tema da regulamentação das big techs, como vêm julgando especificamente a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece como regra geral que as plataformas não são responsáveis pelos conteúdos postados por terceiros, exceto se descumprirem determinação judicial de remoção.
A responsabilidade das redes pela disseminação de conteúdo criminoso, porém, é apenas um dos temas da agenda regulatória do mundo digital.
A segurança das crianças, o desenvolvimento e a aplicação de inteligência artificial, os direitos autorais e a concorrência predatória são outras das questões no radar que mobilizam interesses das gigantes da tecnologia, do empresariado nacional e da sociedade civil.
Em resumo, podemos dizer que há ao menos três frentes em evidência atualmente no país:
1. STF: julgamento de constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, lei nº 12.965/2014;
2. CONGRESSO NACIONAL: PL 2.630/2020, o “PL das Fake News”, atualmente engavetado;
3. CONGRESSO NACIONAL: PL 2.338/2023, que cria um marco regulatório para a inteligência artificial no Brasil, está aprovado pelo Senado e atualmente em discussão na Câmara dos Deputados.
Esses movimentos, crescentes e paralelos, ilustram a preocupação da sociedade em garantir que o uso da inteligência artificial e seus desdobramentos preservem os direitos civis, sociais, econômicos e culturais dos brasileiros.
Mas, para quem?
Por que falar de IA, direitos humanos e antidiscriminação?
O livro “Inteligência Artificial e Direitos Humanos” lista alguns direitos que podem ser prejudicados pela IA - e já o estão sendo, como mostram os exemplos abaixo.
Direito à privacidade: quando se usa a IA para traçar perfis, categorizar e processar informações; ou para uso de vigilância em massa
Direito à liberdade de expressão: quando a IA influencia processos decisórios e comportamentais, podendo impactar negativamente a liberdade de expressão, como no caso de fake news
Direito à participação democrática: quando a IA impacta negativamente a participação política, que é cada vez mais vinculada à internet, como no uso de bots online que participam de debates em substituição a seres humanos
Direito à não-discriminação: frequentemente programas que envolvem IA são desenvolvidos por times não diversos, o que aumenta a chance de vieses discriminatórios em suas formulações
“Por exemplo, se o “perfil” de determinado cargo de elevado nível hierárquico de uma organização é o de homem banco, heterossexual e com determinada faixa etária – em razão da prática interna empresarial, que costuma contratar indivíduos com essas características para o exercício da função –, o algoritmo fará a pré-seleção de pessoas que atendam apenas esses requisitos.”
Para além desses e outros direitos impactados pela inteligência artificial, nos resta também observar o impacto do desenvolvimento do mercado de IA como a nova fronteira no aumento das desigualdades no mundo.
Afinal, a previsão é que os primeiros trilionários do mundo sejam, em parte, empresários advindos deste mercado.
Na adequação de suas políticas de inclusão e olhar atento aos desdobramentos do impacto das big techs nas mesmas, você está separado do lado do joio ou do trigo?